segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Enfermo na enfermaria

Após passar pelos procedimentos de emergência, tendo ambos os braços e a perna direita imobilizados por ¨ ferros e arames ¨, fachas e gessos,fui, ainda sob efeito traumático da ¨ tragédia ¨ e químico dos antibióticos e anestesias, fui internado na enfermaria masculina da Santa Casa de Montes Claros.
No quarto onde fui ¨ hospedado ¨ havia quatro leitos e três companheiros que a partir da minha chegada dividíamos as atenções dos enfermeiros e os ¨ ais ¨ das dores. Quatro clientes do SUS e vitimas do sistema, além de nossas deficiências corporais que nos prendiam aos leitos e de certa forma nos aproximavam mais que a distancia entre os catres hospitalares contidos naquele quarto de enfermaria.
Instalado no canto do quarto podia observar as outras 3 camas. Duas emparelhadas com a minha e a outra do lado oposto.
Ao meu lado, na cama do meio, um rapaz de meia idade acompanhava todos os movimentos do quarto apenas com os olhos. Magérrimo, apresentava uma espécie de afundamento do crânio. Segundo outro paciente ele teve um A.V.C. e após uma cirurgia no cérebro passou a não mais se movimentar ou conversar. Nem mesmo gemia o coitado que se alimentava por sonda nasal e usava fraudas. Muitas vezes o vi regurgitar o alimento que por sua boca era expelido com cores e odores de fezes.
Pelo muito tempo de imobilidade no leito seus glúteos apresentavam duas grandes feridas, uma em cada nádega, por onde se via nitidamente os músculos e outras carnes de sua bunda. Todas manhãs os enfermeiros vinham higienizá-lo e durante o ¨ banho de leito ¨, onde um pano molhado e passado no corpo do paciente, e todos os internados poderiam, se quisesse, ver todo o procedimento. A primeira vez assusta, mas logo o ser humano não mais se choca com a visão do sofrimento dos companheiros de infortúnio, embora essas imagens fiquem gravadas em nossa mente, coladas junto a outras péssimas lembranças.
O paciente mais antigo daquele quarto, que a mais tempo ali se aportara e também por, aparentemente, ser o mais velho, era um senhor que tinha residência na cidade de Riacho dos Machados e que ali estava pela segunda vez. Na primeira se recuperando de cirurgia na barriga, estomago me parece, e na segunda porque o corte tinha aberto após sua alta hospitalar e o mesmo exagerara em esforços físicos.Seu Antonio, esse é o seu nome, era o único que conseguia se locomover sozinho.Eu, inerte sem poder mudar nem mesmo de posição na cama, o paciente ao meu lado que somente movia os olhos e, por último, o paciente do outro lado do quarto que necessitava de auxilio para se sentar na cadeira de banho.
O quarto paciente, que estava internado no mesmo dormitório do outro lado do quarto, sofreu tentativa de assassinato e tinha levado vários tiros. Um deles atingiu órgãos internos do baixo abdômen, entrando pelas costas fazendo um buraco por onde vazava urina.
No terceiro dia tomei meu primeiro banho após o acidente. Banho de leito com toalha molhada. No quarto dia foi feito minha primeira intervenção cirúrgica após o atendimento de emergência. Após sair do bloco fui encaminhado a um apartamento, o 83 da ala verde da Santa Casa onde fiquei por uma semana aproximadamente e logo relocado para o 91 da mesma ala e, menos de uma semana fui convencido a me instalar no Ap. 340, onde permaneço.
A grande ferida aberta no meu braço direito, cujos músculos e tendões ficaram ás margens do asfalto da Br, a maior porta aberta para contaminação hospitalar, agradeceram pela mudança.
Não sei o que aconteceu com os três pacientes da enfermaria, mas não creio que o jovem que vegetava ao meu lado esteja ainda por sob a terra.

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