quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Linhas férreas em Minas sofrem com o abandono


Largados ao abandono, trens de passageiros aguardam que o governo cumpra a promessa de assumir trechos ou fazer novas licitações. Linhas férreas retratam descaso com o patrimônio
Em Sabará, o deteriorado prédio da antiga Rede Ferroviária despachava gente da Grande BH ao Rio

Às 7h30, a maria-fumaça apita para anunciar o início do percurso. O ponto de partida é a Praça da Estação, no coração de Belo Horizonte, e quase 13 horas depois os passageiros desembarcam em Vitória. São 904 quilômetros separando as capitais mineira e capixaba. Ao término do trajeto, o dia se foi e já é quase hora de dormir. Retrato fiel do abandono do transporte de passageiros no sistema ferroviário do país, a última linha diária de trens de passageiros (Vitória a Minas) demora quase duas vezes mais que o trecho percorrido de carro pela BR-381 (conhecida entre os mineiros como a Rodovia da Morte, devido às curvas sinuosas e o alto índice de acidentes), chegando ao destino com os carros de passageiros quase vazios e tendo como prioridade o transporte de minério.
A situação das ferrovias em Minas é o tema da quarta reportagem da série O Brasil fora dos trilhos, que o Estado de Minas publica desde domingo. Quem opta pela viagem sobre trilhos de BH rumo ao litoral capixaba muitas vezes desconhece que da mesma estação era possível chegar às principais capitais de estados vizinhos numa rede extensa e capilar. Além de Vitória, era possível chegar a Salvador e ao Rio de Janeiro, de onde em uma baldeação se poderia rumar para São Paulo. Moradores do Sul de Minas usavam o trecho Ribeirão Vermelho a Barra Mansa para trabalhar na região industrial fluminense; nordestinos cruzavam o Nordeste, passando por Monte Azul. Ao todo, são quase 4 mil quilômetros de trilhos espalhados pelo estado.
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Uma pedra no caminho, no entanto, fez o governo federal mudar os rumos e colocar em segundo plano o modal férreo. Para piorar, na década de 1990, quando foram assinadas concessões para repassar a gestão de todo o sistema férreo ao setor privado, estancando prejuízo diário que rondava a casa de US$ 1 milhão, uma sequência de erros resultou em ameaça ao patrimônio secular: a iniciativa privada arrendou com o intuito de focar somente no transporte de carga; 80% dos mais de 50 mil imóveis pertencentes à extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA) não estavam registrados e não foi realizado sequer um inventário dos bens.
"Quantas locomotivas eram? Quantos carros de passageiros? E toda a documentação? Grande parte da história se perdeu, fora que houve roubos de trilhos e dormentes", lamenta a historiadora, autora de estudo sobre trens de subúrbio e coordenadora do Núcleo Ferroviário da ONG Trem, Helena Guimarães Campos.
Josias Cavalcante, presidente da Valec Engenharia, estatal federal responsável pela construção de ferrovias, afirma que a tendência é de retomada pela União dos trechos abandonados e aqueles não aproveitados pelos concessionários. Há a opção de realizar novas concessões de linhas, ou ainda, a possibilidade de a Valec assumir esses trechos. "Estamos rumando para o sistema de acesso aberto (open access, em inglês), que busca mais integração de malhas e de meios de transporte", resume.
O antigo trem Vera Cruz, que ligava Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, por exemplo, está abandonado em pátios ferroviários em Santos Dumont, na Zona da Mata de Minas. Ao fim dos contratos de 30 anos, o patrimônio deve ser devolvido à União no mesmo estado de conservação em que foi entregue às concessionárias. Mas sabe-se lá como estarão em 2026. Em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a estação restante da linha que ligava a Grande BH ao interior do Rio amarga o abandono. (Colaborou Sílvio Ribas)
Ramais desafogam Grande BH

Em meio ao cenário de completo descaso, surge uma luz no fim do túnel. Duas décadas depois de a malha ferroviária ter sido desestatizada, os estados e a União se mexem para reativar antigos trechos. Em Minas, o modal sobre trilhos pode ser a solução para o transporte de passageiros na Grande Belo Horizonte. Três linhas estão em estudo pela Secretaria Estadual de Gestão Metropolitana, incluindo um ramal que permitiria o deslocamento por trem dos passageiros do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, e outro que levaria turistas até a cidade histórica de Ouro Preto – antiga capital do estado. Outro importante ponto turístico que pode ser beneficiado é o Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico Inhotim, em Brumadinho, com a reativação de antigas estações e a possibilidade de passageiros chegarem ao local com maior facilidade.
Os trilhos criados no século 19 podem ser aproveitados, mas com um detalhe: é latente a necessidade de modificações nos traçados para aumentar a velocidade. À época, os trens trafegavam a 60 quilômetros por hora e a ideia é que as novas composições superem a média de 120 km/h. “Tem de haver material competitivo para brigar com ônibus e carro”, afirma o engenheiro ferroviário da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e ex-diretor do Departamento de Transporte Ferroviário da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) Afonso Carneiro Filho, responsável pelos projetos elaborados pelo governo federal em 2002 para reativar o sistema férreo. Além de novos trens, ele considera necessário separar o transporte de cargas do de passageiros, criando assim linhas paralelas na mesma faixa de domínio.
A ligação do trem de alta velocidade (TAV), ou trem-bala, é uma possibilidade para acelerar o transporte do estado com as duas maiores cidades do país (Rio de Janeiro e São Paulo). A ANTT estuda ampliar o projeto até Belo Horizonte. Carneiro e outros especialistas defendem que seja feita uma conexão com Resende (RJ), o que possibilitaria ligar BH às praias cariocas.
Velocidade, no entanto, não é o único fator a ser considerado, segundo o mestre em transportes pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) e membro da ONG Trem Nelson de Mello Dantas Filho. Ele aponta a tarifa, conforto, tempo de viagem e a confiabilidade no horário. (PRF)
Enquanto isso, lucro para as operadoras
A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), controlada pela Vale, e que liga Minas Gerais ao Espírito Santo, continua figurando como a mais produtiva do país. Apenas no período de junho a setembro, transportou 37,2 milhões de toneladas, entre minério de ferro e carga geral. No acumulado dos nove primeiros meses, o volume total foi de 106,6 milhões de toneladas. Considerada uma das mais modernas do país graças aos investimentos em tecnologia e recursos humanos, a EFVM tem 905 quilômetros de extensão e transporta 40% de toda carga ferroviária do país. Por ela circulam pelo menos 60 tipos de produtos, desde minérios e aço até soja e carvão.
Reativação atrai investimentos

A retomada do setor ferroviário no Brasil deve impulsionar a indústria de fornecedores de vagões e peças que, de certa forma, estava estagnada. Com a reativação de 10 mil quilômetros de trilhos usados para o transporte de carga e a expectativa de que trens de passageiros também sejam criados, o setor prevê demanda de 1 mil locomotivas nos próximos cinco anos, com disputa acirrada entre GE Transportation e Caterpillar, fabricantes de locomotivas siuadas em Minas, de cada novo cliente.
A Progress Rail Services, empresa do grupo Caterpillar, inaugurou fábrica em Sete Lagoas, na Região Central do estado, em novembro, tendo contrato para fornecimento de 35 veículos e probabilidade de assinar em janeiro outro acordo para mais 18.
Distante dali menos de 100 quilômetros, em Contagem, na Grande BH, está a unidade da GE Transportation. De olho no possível aumento de demanda, a companhia investiu US$ 35 milhões para ampliar a capacidade de produção de 60 para 120 locomotivas por ano. Mas, com adequações na planta, é possível produzir até 240 unidades por ano. (PRF)
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