Se o projeto que
regulamenta a mão de obra terceirizada for aprovado, órgãos públicos poderão
substituir servidores por trabalhadores da iniciativa privada. A Anpac estima
que 110 mil vagas seriam oferecidas em certames este ano
A abertura das
110 mil vagas previstas para concursos em todo o país ao longo de 2017 pode
estar em xeque se o Projeto de Lei nº 4.302/98, que prevê a terceirização plena
e irrestrita no mercado de trabalho, inclusive na administração pública, for
aprovado. Essa é a avaliação da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos
Concursos (Anpac), que projeta o número de oportunidades que devem ser lançadas
este ano. Se a proposta for aprovada — como quer o governo —, órgãos das
esferas municipal, estadual e federal poderão optar por contratar mão de obra
terceirizada, no lugar de servidores, para os postos abertos, argumentou o
presidente da entidade, Marco Antônio Araújo.
“Entendo que
isso nem chega a colocar efetivamente em risco os concursos públicos de tão
absurda que é a matéria. Mas preocupa”, admitiu. Os cálculos da Anpac indicam
que, do total de vagas previstas, 85 mil serão para provimento direto, e outras
25 mil para formação de cadastro de reserva. Todas provenientes de mais de mil
concursos que podem ser abertos ao longo do ano. A expectativa de Araújo para
impedir que as seleções deixem de ser lançadas é que a proposta seja
considerada como inconstitucional. Ele estuda entrar com um a ação direta de
inconstitucionalidade contra o projeto em caso de aprovação e sanção pelo presidente
Michel Temer.
A preocupação do
presidente da Anpac é pertinente. O Palácio do Planalto costurou com o
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (PMDB-RJ), a votação do texto
no plenário da Casa — onde o projeto está em fase final de tramitação —
para a próxima semana. Se aprovado, o PL 4.302/98 vai para sanção presidencial.
Cargos abertos em decorrência de aposentadoria de funcionários públicos ou por
outros motivos poderão ser ocupados por terceirizados e não mais por servidores
concursados, avaliam alguns especialistas.
Somente no
Executivo federal, cerca de 337,6 mil postos poderão ser ocupados por
terceirizados em um período de três anos. Essa é a quantidade de servidores com
possibilidade de deixar o funcionalismo em razão de aposentadoria ou em
decorrência do fim do abono de permanência até 2020, segundo cálculos de
especialistas levantados com informações do Ministério do Planejamento.
Para o
sócio-diretor do escritório Kolbe Advogados Associados, Max Kolbe, a proposta
pode precarizar as atribuições de aprovados em concursos públicos, o que, no
entendimento dele, é inconstitucional. “O artigo 37 da Constituição deixa claro
que o acesso ao cargo de emprego público se dá por meio de concurso. Permitir a
terceirização total e irrestrita, ainda que nos entes da administração pública,
seria o fim dos concursos públicos”, criticou. Para Kolbe, a proposta não
beneficia a sociedade, apenas alguns empresários. “Guardadas as devidas
proporções, seria uma Lava-Jato no âmbito da administração pública.”
Falacioso
Nem todos
mostram oposição ao projeto. O sócio-diretor do escritório Pastore Advogados,
Eduardo Pastore, avaliou que é falacioso o raciocínio de quem considera a
proposta como inconstitucional e que poderia “acabar” com os concursos públicos.
“Não vejo uma relação direta de que a terceirização na administração pública
vai acabar com os concursos. Entendo que as duas coisas continuarão existindo”,
destacou. Para ele, a própria administração pública não admitirá a
terceirização em funções e cargos específicos.
O advogado
destacou, ainda, que, como a terceirização não está no âmbito da Constituição,
a proposta não é inconstitucional. Atualmente, apenas a súmula 331 do Tribunal
Superior do Trabalho (TST) regulamenta as condições em que são permitidas as
contratações de trabalhadores terceirizados. “Súmula não é lei. Hoje, pode
haver terceirização de atividade-fim porque não há lei nenhuma dizendo que não
pode. O projeto vai revogar a súmula e dar segurança jurídica aos contratos”,
analisou.
O relator do PL
4.302/98, deputado federal Laércio Oliveira (SD-SE), não descarta que alguns
postos vagos de cargos de assistentes administrativos e até técnicos possam vir
a ser ocupados por terceirizados se o projeto for aprovado. Mas refuta a possibilidade
de terceirização em funções típicas de Estado, como auditores da Receita
Federal e auditores-fiscais do Ministério do Trabalho. “Em hipótese alguma
esses cargos serão ocupados por terceirizados”, sustentou.
Entenda a polêmica
O Projeto de Lei
nº 4.302/98 permite a contratação de terceirizados em atividades-fim, inclusive
no serviço público. Veja os argumentos de cada lado.
Contra
» Vai provocar a
precarização do emprego nas empresas e na administração pública;
» Pode levar
muitas empresas a trocar empregados fixos por terceirizados;
» Mais empresas
que descumprem recolhimento de encargos e obrigações trabalhistas entrarão no
mercado;
» Ameaça os
concursos já que órgãos públicos poderão empregar terceirizados;
» Coloca em
risco o vazamento de informações sigilosas do Estado e abre margem para a
corrupção.
A favor
» Aumenta
segurança jurídica nas relações contratuais de serviços terceirizados;
» Oferece ganhos
de produtividade por especialização, aumenta desenvolvimento econômico e atrai
investimentos;
» Não compromete
os direitos trabalhistas porque terceirizados têm benefícios assegurados pela
CLT;
» Cargos
ocupados por empregados com conhecimentos específicos e sigilosos não serão
ocupados por terceirizados;
» Os concursos
públicos não deixarão de existir, sobretudo para provimento de vagas para
carreiras típicas de Estado.
Fontes:
Relatório do PL 4.302/98 e especialistas
Correio
Braziliense