Tem grande repercussão nas redes sociais a
reportagem publicada na segunda-feira (11/3) pelo Portal Imprensa (ver aqui) sobre o aumento dos casos de depressão,
infidelidade conjugal e uso abusivo de drogas e álcool entre profissionais de
jornalismo. O estudo foi realizado pelo doutor em Psicologia José Roberto
Heloani, da Unicamp, cobrindo um período de dez anos.
Segundo o pesquisador, na última década os
jornalistas brasileiros se tornaram mais sujeitos a pressão por causa de
circunstâncias de trabalho, tornando-se mais vulneráveis a assédio moral e
sexual, além de outras condições capazes de produzir desequilíbrio emocional e
doenças mentais. No período mais recente de seu estudo, Heloani trabalhou com
uma amostragem de 250 jornalistas, analisando aspectos de suas vidas como saúde
mental, identidade e subjetividade e resiliência a situações estressantes. Ele
encontrou um grande número de profissionais trabalhando em estados de pré-exaustão
ou exaustão na maioria das redações.
A concentração da propriedade dos meios de
comunicação, que torna crucial a aceitação de um jornalista no restrito e
concorrido mercado da imprensa, o transforma em um indivíduo passivo diante de
circunstâncias indignas de trabalho. “No Brasil, há seis grandes grupos de
comunicação. Você precisa ter muita coragem para fazer uma denúncia formal de
assédio se quiser permanecer no mercado. A pessoa pode até pensar em mudar de
área, ir para assessoria ou área acadêmica, mas nenhuma alternativa é fácil”,
resume o pesquisador.
O uso de drogas aumentou cerca de 25% no
período estudado, como uma das consequências das condições opressivas de
trabalho. Em função das longas e extenuantes jornadas, muitos dos entrevistados
também relatam dificuldades de relacionamento, insegurança e medo de tomar
decisões. Essa realidade, confrontada com a imagem idealizada da profissão,
produz uma sensação geral de vulnerabilidade e frustração, que levam aos casos
de depressão.
Do assédio ao crime
Coautor do livro Assédio moral no
trabalho (Editora Cengage), com Maria Ester de Freitas e Margarida Silveira
Barreto, Heloani tem grande experiência no estudo de processos de expropriação
da dignidade no ambiente de trabalho. Um de seus ensaios, publicado em 2004 (ver aqui), relata o processo em que, submetido a constante
assédio moral e depreciação, o trabalhador acaba por emular a personalidade que
lhe é atribuída, com a consequente redução de sua autoestima e de suas ambições
profissionais e pessoais. Essa foi a circunstância encontrada por ele no
acompanhamento de três grupos diferentes de jornalistas, o primeiro formado em
2003 por profissionais atuando no eixo Rio-São Paulo.
Heloani considera que o fato de os
profissionais de imprensa terem que enfrentar, progressivamente, mais desafios
e complexidades, por exemplo, com a exigência de desenvolver habilidades
multifocais, agrava a situação. No primeiro grupo estudado, ele não encontrou
tantos casos de estresse patológico grave, mas nos grupos acompanhados mais
recentemente sua pesquisa revelou a presença de profissionais debilitados,
extenuados, muitos recorrendo a drogas lícitas e ilícitas para suportar o ritmo
de trabalho.
Interessante observar que, tendo sido
publicada na segunda-feira (11), a pesquisa não despertou interesse nos grandes
grupos de comunicação, justamente os lugares que concentram o problema. Há
vinte anos ou mais, essas empresas tinham comissões internas de qualidade no
trabalho, com programas de prevenção que protegiam os jornalistas dos riscos
mais comuns da profissão. Com o fim da exigência do diploma específico para o
exercício do jornalismo e o desmanche das atividades sindicais, as redações
ficaram submetidas ao arbítrio de editores e diretores nem sempre habilitados
para a gestão de pessoas.
Os casos de assédio se multiplicam mas não
são relatados publicamente, porque as vítimas têm medo de perder o emprego e
entrar numa lista negra dos grandes jornais. O mais grave deles se transformou
em escândalo com o assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo ex-diretor de
redação do Estado de S. Paulo.
O episódio sangrento, que evoluiu do
assédio ao homicídio, é minuciosamente investigado no livro Pimenta Neves –
Uma reportagem (Editora Scortecci), de autoria de Luiz Octávio Lima,
lançado na semana passada em São Paulo.
O estudo de José Roberto Heloani mostra que
esse crime covarde não ensinou nada às redações.