Leis mal
redigidas e decisões administrativas equivocadas abrem espaço para
reivindicações de aumento salarial que incham a folha de pagamento dos governos
e arrombam as contas públicas. Custo das correções em discussão passa de R$ 173
bilhões
De tempos em
tempos, o contribuinte toma conhecimento de um novo percentual de compensação
remuneratória que vai engordar os contracheques de servidores públicos. Nem
sempre sabe exatamente do que se trata, mas ouve falar em cifras como 28,86%,
11,98%, 14,23% ou 15,8% ou em incorporação de quintos. A única certeza do
cidadão leigo é a de que a fatura, de bilhões de reais, vai cair no colo dele.
Estimativas iniciais - subestimadas, porque alguns índices ainda estão sendo
processados - apontam que o impacto orçamentário dos aumentos atualmente em
discussão ultrapassa R$ 173 bilhões nas três esferas de governo, num momento em
que as contas públicas estão em frangalhos.
Essa enxurrada
de reajustes extras ocorre por conta de brechas legais, erros administrativos
ou pontos mal amarrados em acordos salariais, dos quais entidades
representativas de servidores se aproveitam para reivindicar, muitas vezes na
Justiça, correções posteriores nos vencimentos ou equiparação a outras
categorias. A questão é melindrosa. Muitos se perguntam como advogados
particulares veem claramente as falhas que beneficiam o funcionalismo, enquanto
colegas concursados, igualmente bem preparados, não enxergam as lacunas. Alguns
acham até que erros são deixados de propósito, pois os que analisam os números
ou julgam as ações são igualmente servidores que vão se beneficiar com retorno
financeiro.
Conivência
"Esses
percentuais reparatórios contrariam a alegação de que o servidor não tem
aumento. Na prática, ele tem reajustes constantes, sem que isso se torne
aparente. A situação nos remete à dúvida: incompetência ou conivência? Difícil
de responder. E o Estado não procura saber quem se omitiu ou abriu margem para
o gasto excessivo", assinalou o economista Gil Castello Branco,
secretário-geral da Associação Contas Abertas.
Castello Branco
ressalta que o maior problema é a falta de planos de cargos e salários no setor
público. "Reajustes são dados às pressas e acontecem sempre que o governo
está sob pressão ou ameaça de greve. No momento em que o governante de plantão
cede, acaba abrindo os cofres mais do que gostaria. Nem sempre a culpa é
especificamente de uma única pessoa", emendou.
De acordo com
Marcelino Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos
Federais (Anafe), a responsabilidade não é da Advocacia-Geral da União (AGU), a
quem cabe defender os órgãos federais. "No passado, a AGU não era
previamente consultada. Hoje, os erros são mais raros. O que se vê é que muita
coisa vai para o Judiciário, que dá a última palavra", justificou
Rodrigues. Em 2015, lembrou, em consequência do trabalho dos 12 mil advogados
públicos, foram economizados R$ 78,13 bilhões aos cofres da administração.
Bruno Pontes,
chefe da Procuradoria Federal no Estado de Goiás, disse que a questão é "a
natureza flexível do nosso sistema jurídico". Muitas vezes, a AGU, por
meio de nota técnica, condena uma medida. Mesmo assim, o Legislativo apoia e o
Judiciário manda aplicar. "Entendo a preocupação da sociedade, mas o
problema é sistêmico. Não há como controlar o Executivo, o Legislativo ou o
Judiciário, em respeito à separação dos Poderes. Por isso, precisamos de uma
AGU forte. Só assim, os prejuízos serão reduzidos", disse o procurador.
Política
subjetiva
Ivar Hartmann,
professor da FGV Direito-Rio, afirmou que o que parece erro óbvio ou equívocos
intencionais objetivos, na verdade são escolhas subjetivas. "Quando os
servidores vão à Justiça e pedem isonomia ou paridade, os juízes, eles próprios
servidores, se solidarizam. O Judiciário não deveria interferir. Não é ele que
paga a conta", alertou Hartmann.
No Legislativo,
há interesses semelhantes. Mesmo que um consultor aponte que determinado texto
legal vá causar divergências, se o parlamentar ignorar o alerta, o auxiliar não
tem força para exigir o contrário. "Ficamos todos na mão da política
subjetiva de líderes partidários que acham que não estão tirando nada de
ninguém, apenas ajudando seus eleitores, como se o dinheiro público não fosse
de todos os brasileiros", reiterou Hartmann.
Para conter
isso, segundo o professor, a população tem que exigir transparência e saber
exatamente quanto ganha cada servidor - não apenas de salário, mas também de
auxílio-moradia, ajudas de custo, bônus e adicionais de toda ordem. De acordo
com um advogado que não quis se identificar, a cultura do país tem que mudar.
"Os servidores trabalham pouquíssimo, por mais que tentem provar o
contrário. O discurso deles é contraditório: são contra o projeto (PLP
257/2016) que refinancia a dívida dos estados, entre outros motivos, porque
cobra juros sobre juros. Mas os percentuais extras que eles ganham são
corrigidos pela mesma metodologia. Nunca vi ninguém devolver os juros abusivos.
O povo não é burro. Está vendo tudo isso", destacou.
Quadro grave
O advogado contou
que ficou "apavorado" ao fazer conferências pelo Brasil para orientar
prefeitos e governadores sobre o PLP 257. Segundo ele, o quadro econômico e
financeiro é mais grave do que se imagina. "As contas estão maquiadas.
Quando são englobadas as despesas com servidores ativos, inativos e
pensionistas, incluindo vencimentos e vantagens, subsídios, adicionais,
gratificações, horas extras e vantagens pessoais, o rombo é muito maior do que
se afirma. Se o gasto apontado com a folha de pagamento é de 100% da receita,
tenha certeza de que o custo efetivo não está abaixo dos 200% com o peso desses
penduricalhos", alertou.
Correio
Braziliense - 16/08/2016
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