Na última
semana, as investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
e do Ministério Público mostraram a abrangência nacional do cartel na área de
transporte sobre trilhos. A tramoia, concluíram as apurações, reproduziu em
diversas regiões do País a sistemática observada em São Paulo, de conluio nas
licitações, combinação de preços superfaturados e subcontratação de empresas
derrotadas. As fraudes que atravessaram incólumes 20 anos de governos do PSDB
em São Paulo carregam, no entanto, peculiaridades que as diferem
substancialmente das demais que estão sendo investigadas pelas autoridades. O
esquema paulista distingue-se pelo pioneirismo (começou a funcionar em 1998, em
meio ao governo do tucano Mário Covas), duração, tamanho e valores envolvidos –
quase meio bilhão de reais drenados durante as administrações tucanas. Porém,
ainda mais importante, o escândalo do Metrô em São Paulo já tem identificada a
participação de agentes públicos ligados ao partido instalado no poder. Em
troca do aval para deixar as falcatruas correrem soltas e multiplicarem os
lucros do cartel, quadros importantes do PSDB levaram propina e azeitaram um
propinoduto que desviou recursos públicos para alimentar campanhas eleitorais.
Ao contrário do
que afirmaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador José
Serra na quinta-feira 15, servidores de primeiro e segundo escalões da
administração paulista envolvidos no escândalo são ligados aos principais
líderes tucanos no Estado. Isso já está claro nas investigações.
Usando a velha e
surrada tática política de despiste, Serra e FHC afirmaram que o esquema não
contou com a participação de servidores do Estado nem beneficiou governos
comandados pelo PSDB. Não é o que mostram as apurações do Ministério Público e
do Cade. Pelo menos cinco autoridades envolvidas na engrenagem criminosa, hoje
sob investigação por terem firmado contratos irregulares ou intermediado o
recebimento de suborno, atuaram sob o comando de dois homens de confiança de
José Serra e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin: seus secretários de
Transportes Metropolitanos.
José Luiz
Portella, secretário de Serra, e Jurandir Fernandes, secretário de Alckmin,
chefiaram de perto e coordenaram as atividades dos altos executivos enrolados
na investigação. O grupo é composto pelos técnicos Décio Tambelli, ex-diretor
de operação do Metrô e atualmente coordenador da Comissão de Monitoramento das
Concessões e Permissões da Secretaria de Transportes Metropolitanos, José Luiz
Lavorente, diretor de Operação e Manutenção da CPTM, Ademir Venâncio, ex-
diretor de engenharia da estatal de trens, e os ex-presidentes do metrô e da
CPTM, José Jorge Fagali e Sérgio Avelleda.
Segundo
documentos em poder do CADE e Ministério Público, estes cinco personagens,
afamados como bons quadros tucanos, se valeram de seus cargos nas estatais
paulistas para atender, ao mesmo tempo, aos interesses das empresas do cartel
na área de transporte sobre trilhos e às conveniências políticas de seus
chefes. Em troca de benefícios para si ou para os governos tucanos, forneciam
informações privilegiadas, direcionavam licitações ou faziam vista grossa para
prejuízos milionários ao erário paulista em contratos superfaturados firmados pelo
metrô. As investigações mostram que estes técnicos do Metrô e da CPTM
transitaram pelos governos de Serra e Alckmin operando em maior ou menor grau,
mas sempre a favor do esquema.
Um dos destaques
do quinteto é José Luiz Lavorente, diretor de Operação e Manutenção da
Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Em um documento analisado
pelo CADE, datado de 2008, Lavorente é descrito como o encarregado de receber
em mãos a propina das empresas do cartel e distribuí-las aos políticos do PSDB
e partidos aliados. O diretor da CPTM é pessoa da estrita confiança de Alckmin.
Foi o governador de São Paulo que o promoveu ao cargo de direção na estatal de
trens, em 2003. Durante o governo Serra (2007-2008), Lavorente deixou a CPTM,
mas permaneceu em cargos de comando da estrutura administrativa do governo como
cota de Alckmin. Com o regresso de Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes, em
2011, Lavorente reassume o posto de direção na CPTM. Além de ser apontado como
o distribuidor da propina aos políticos, Lavorente responde uma ação movida
pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que aponta superfaturamento e
desrespeito à lei de licitações. O processo refere-se a um acordo fechado por
meio de um aditivo, em 2005, que possibilitou a compra de 12 trens a mais do
que os 30 licitados, em 1995 e só seria valido até 2000.
O ex-diretor de
Operação do Metrô e atualmente coordenador da Comissão de Monitoramento das
Concessões e Permissões da secretaria de Transportes Metropolitanos, Décio
Tambelli, é outro personagem bastante ativo no esquema paulista. Segundo
depoimentos feitos por ex-funcionários da Siemens ao Ministério Público de São
Paulo, Tambelli está na lista dos servidores que receberam propina das
companhias que firmaram contratos superfaturados com o metrô e a CPTM. Tambelli
é muito próximo do secretário de Transportes, Jurandir Fernandes. Foi Fernandes
que o alçou ao cargo que ocupa atualmente na administração tucana. Cabe a
Tambelli, apesar de estar na mira das investigações, acompanhar e fiscalizar o
andamento da linha quatro do metrô paulista, a primeira obra do setor realizada
em formato de parceria público-privada. Emails obtidos por ISTOÉ mostram que,
desde 2006, Tambelli já agia para defender e intermediar os interesses das
empresas integrantes do cartel. Na correspondência eletrônica, em que Tambelli
é mencionado, executivos da Siemens narram os acertos entre as companhias do
cartel no Distrito Federal e sugerem que o acordo lá na capital seria atrelado
“à subcontratação da Siemens nos lotes 1+2 da linha 4” em São Paulo. “O Ramos
(funcionário do conglomerado francês Alstom) andou dizendo ao Décio Tambelli do
metrô SP, que não pode mais subcontratar a Siemens depois do caso
Taulois/Ben-hur (episódio em que a Siemens tirou técnicos da Alstom para se beneficiar
na pontuação técnica e vencer a licitação de manutenção do metrô de Brasília)”,
dizia o e-mail trocado entre os funcionários da Siemens.
Outro homem do
propinoduto tucano que goza da confiança de Jurandir Fernandes e de Alckmin é
Sérgio Avelleda. Ele foi nomeado presidente do Metrô em 2011, mas seu mandato
durou menos de um ano e meio. Avelleda foi afastado após a Justiça atender
acusação do Ministério Público de improbidade administrativa. Ele era suspeito
de colaborar em uma fraude na concorrência da Linha 5 do Metrô, ao não
suspender os contratos e aditamentos da concorrência suspeita de formação de
cartel. “Sua permanência no cargo, neste atual momento, apenas iria demonstrar
a conivência do Poder Judiciário com as ilegalidades praticadas por administradores
que não respeitam as leis, a moral e os demais princípios que devem nortear a
atuação de todo agente público”, decretou a juíza Simone Gomes Casorretti, ao
determinar sua demissão. Após a saída, Avelleda obteve uma liminar para ser
reconduzido ao cargo e pediu demissão. Hoje é consultor na área de transporte
sobre trilhos e presta serviços para empresas interessadas em fazer negócios
com o governo estadual.
De acordo com as
investigações, quem também ocupou papel estratégico no esquema foi Ademir
Venâncio, ex-diretor da CPTM. Enquanto trabalhou na estatal, Venâncio cultivou
o hábito de se reunir em casas noturnas de São Paulo com os executivos das
companhias do cartel para fornecer informações internas e acertar como elas
iriam participar de contratos com as empresas públicas. Ao deixar a CPTM, em
meados dos anos 2000, ele resolveu investir na carreira de empresário no setor
de engenharia. Mas nunca se afastou muito dos governos do PSDB de São Paulo. A
Focco Engenharia, uma das empresas em que Venâncio mantém participação,
amealhou, em consórcios, pelo menos 17 consultorias orçadas em R$ 131 milhões
com as estatais paulistas para fiscalizar parcerias público-privadas e
andamento de contratos do governo de Geraldo Alckmin. Outra companhia em nome de
Venâncio que também mantém contratos com o governo de São Paulo, o Consórcio
Supervisor EPBF, causa estranheza aos investigadores por possuir capital social
de apenas R$ 0,01. O Ministério Público suspeita que a contratação das empresas
de Venâncio pela administração tucana seja apenas uma cortina de fumaça para
garantir vista grossa na execução dos serviços prestados por empresas do
cartel. As mesmas que Venâncio mantinha relação quando era servidor público.
A importância da
secretaria Transportes Metropolitanos e suas estatais subordinadas, Metrô e
CPTM, para o esquema fica evidente quando se observa a lógica das mudanças de
suas diretorias nas transições entre as gestões de Serra e Alckmin. Ao assumir
o governo em 2007, José Serra fez questão de remover os aliados de Alckmin e
colocar pessoas ligadas ao seu grupo político. Um movimento que seria revertido
com a volta de Alckmin em 2011. Apesar dessa dança de cadeiras, todos os
integrantes do esquema permaneceram em postos importantes das duas administrações
tucanas. Quem sempre operou essas movimentações e trocas de cargos, de modo a
assegurar a continuidade do funcionamento do cartel, foram os secretários de
Transportes Metropolitanos de Serra e Alckmin, José Luiz Portella e Jurandir
Fernandes.
Homem forte do
governador Geraldo Alckmin, Fernandes começou sua trajetória política no PT de
Campinas, interior de São Paulo. Chegou a ocupar o cargo de secretário
municipal dos Transportes na gestão petista, mas acabou expulso do partido em
1993 e ingressou no PSDB. Por transitar com desenvoltura pelo governo do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jurandir foi guindado a diretor do
Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) em 2000. No ano seguinte,
aproximou-se do então governador Alckmin, quando assumiu pela primeira vez o
cargo de secretário estadual de Transportes Metropolitanos. Neste primeiro
período à frente da pasta, tanto a CPTM quanto o Metrô firmaram contratos
superfaturados com empresas do cartel. Quando Serra assume o governo paulista
em 2007, Jurandir é transferido para a presidência da Emplasa (Empresa Paulista
de Planejamento Metropolitano), responsável pela formulação de políticas
públicas para a região metropolitana de São Paulo. Com o retorno de Alckmin ao
governo estadual em 2011, Jurandir Fernandes também volta ao comando da
disputada pasta. Nos últimos dias, o secretário de Transportes tem se esforçado
para se desvincular dos personagens investigados no esquema do propinoduto.
Fotos obtidas por ISTOÉ, no entanto, mostram Jurandir Fernandes em companhia de
Lavorente e de lobistas do cartel durante encontro nas instalações da MGE
Transporte em Hortolândia, interior de São Paulo. Um dos fotografados com
Fernandes é Arthur Teixeira que, segundo a investigação, integra o esquema de
lavagem do dinheiro da propina. Teixeira, que acompanhou a solenidade do lado
do secretário Fernandes, nunca produziu um parafuso de trem, mas é o
responsável pela abertura de offshores no Uruguai usadas pelo esquema. Outro
companheiro de solenidades flagrado com Fernandes é Ronaldo Moriyama ex-diretor
da MGE, empresa que servia de intermediária para o pagamento das comissões às
autoridades e políticos. Moriyama é conhecido no mercado ferroviário por sua
agressividade ao subornar diretores do Metrô e CPTM, segundo depoimentos
obtidos pelo Ministério Público.
No governo
Serra, quem exercia papel político idêntico ao de Jurandir Fernandes no governo
Alckmin era o então secretário de Transportes Metropolitanos, José Luiz
Portella. Serrista de primeira hora, ele ingressou na vida pública como
secretário na gestão Mário Covas. Portelinha, como é conhecido dentro do
partido, é citado em uma série de e-mails trocados por executivos da Siemens.
Num deles, Portella, assim como Serra, sugeriram ao conglomerado alemão Siemens
que se associasse com a espanhola CAF em uma licitação para compra de 40 novos
trens. O encontro teria ocorrido em um congresso internacional sobre ferrovias
realizado, em 2008, na cidade de Amsterdã, capital da Holanda. Os dois temiam
que eventuais disputas judiciais entre as companhias atrasassem o cronograma do
projeto. Apesar de o negócio não ter se concretizado nestas condições, chama
atenção que o secretário sugerisse uma prática que resulta, na maioria das
vezes, em prejuízos aos cofres públicos e que já ocorria em outros contratos
vencidos pelas empresas do cartel. Quem assinava os contratos do Metrô durante
a gestão de Portella era José Jorge Fagali, então presidente do órgão.
Ex-gerente de controle da estatal, ele teve de conviver com questionamentos sobre
o fato de o seu irmão ser acusado de ter recebido cerca de US$ 10 milhões da
empresa francesa Alstom. A companhia, hoje envolvida nas investigações do
cartel, é uma das principais vencedoras de contratos e licitações da empresa
pública.
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