quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Amigos caninos


Ao ver na mídia nacional as noticias do vira-lata que ajudou a resgatar os corpos de seus donos, soterrados durante a chuva no interior do Rio de Janeiro, e depois a polemica de não ter saído de perto da sepultura deles veio-me na lembrança a historia de dorlí.
Dorlí era um vira-lata muito parecido na forma e tamanho com ¨caramelo¨, o cão destacado pela mídia por ter ajudado no resgate dos corpos dos donos. Sua cor não era marrom, mas um creme meio acinzentado.
Conheci dorlí quando eu tinha 3 anos de idade e seu dono, meu avô materno Juca Fernandes, se encontrava acamado e em fase terminal. Minha mãe acabava de se separar de meu pai e tínhamos vindo de trem de Belo Horizonte até Montes Claros e daqui apanhamos o ônibus de Zinzin até Francisco Sá, terra da minha família materna. Transcorria então o ano de 1963.
Amigo inseparável de meu vô Juca, dorlí estava sempre onde seu dono estivesse na região do nosso Brejo das Almas e somente se separava quando meu avô viajava, pois esse era caminhoneiro e transportava com seus caminhões o algodão da região até as fabricas de tecido da cidade de Montes Claros e redondezas ou embarcando sua carga no trem, de onde recarregava com sal e cereais para abastecer as ¨vendas¨ do Brejo.
Quando alguém procurava por meu avô Juca em nossa casa, ao lado da prefeitura de Francisco Sá, dona Maria de Juca, minha Vó, falava ¨Ele tá por aí. Vai no comercio e vê onde dorlí ta na porta que Juca vai ta lá dentro¨.
Com o dono acamado dorlí não mais saia de casa. Estava sempre perambulando pela casa e pelo quintal e sempre indo até a porta do quarto de meu avô, dando uma ëspiadela¨ para conferir que seu amigo lá estivesse.
Em março de 1964, não sei precisar o dia, meu avô estava mal em seu leito de morte e dorlí na porta do quarto ganindo baixinho. Chorava.
No corre, corre de chamar o medico e também ao militar auxiliar de enfermagem de nome Josefino, que dava assistência e aplicava as injeções contra as fortes dores do câncer de estomago que aos poucos ceifava a vida meu vô Juca, alguém teve que acorrentar dorlí no quintal, no tronco do abacateiro, pois o cão já ladrava e uivava a toda altura que sua dor permitia.
No velório muitos choravam também por escutar dorlí, que chorava e se debatia nas correntes, somente acalmando um pouco quando alguém da família ia até a sombra do abacateiro conversar com o ¨melhor amigo do homem¨.
Eu, menino então com 4 anos de idade, também me sentia abandonado e perambulava pela casa sem compreender o que se passava.Na hora que o cortejo fúnebre saiu da casa rumo ao cemitério fiquei meio que abandonado e não acompanhei os que carregaram o caixão. Depois de sentir a casa vazia, cujo som passou a ser unicamente os de dorlí, que então constrangia o ambiente em gritos de desespero, foi que resolvi ir ver o que acontecia no cemitério.
Com minhas pernas de menino que demora para percorrer os cerca de um quilometro, que separava a casa construída pelo meu avô e sua morada final, embora sua casa e o cemitério estivessem na mesma avenida.
No portão do cemitério encontrei minha mãe que saia chorando copiosamente amparada pelo meu Tio Osvaldo e pelo enfermeiro Josefino. Estava ela se abraçando comigo quando dorlí passou correndo junto a nós e se adentrou no cemitério em debelada carreira  arrastando um pedaço da corrente quebrada.
Cheirando o cão foi diretamente ao sepulcro que onde o corpo jazia enterrado e deitou na terra fofa da sepultura. Ali dorlí passou a residir até o final de sua vida em 1967.
Nos primeiros meses após a morte de meu avô dorlí passava o dia em sua antiga residência e desaparecia a noite e depois que minha mãe minha avó resolveram se mudarem para São Paulo, e logo depois retornarem para Montes Claros, onde viveram pelo resto de suas vidas, Dori passou a aparecer na casa de minha Tia Conceição e ás vezes na do meu tio Oscar na hora das refeições e retornava ao pé da carneira construída sobre o tumulo de seu amigo.
No ano de sua morte vi dorlí pela última vez no mês de julho, minhas primeiras férias escolares da escolinha que funcionava no fundo da igreja adventista no bairro São José, e que escolhi ir ao Brejo.Dorlí estava com uma ferida enorme no lado direito de sua boca que deixava a mostra toda sua dentição. Condoído perguntei a minha tia o que era aquilo e na época ela alegou ser o câncer de me avô que o animal tinha pegado ao remexer a terra da sepultura. Disse me ela que muitos cachorros estavam sendo mortos pois com o excesso de animais na rua algumas pessoas estavam envenenando carnes ou colocando vidro moído e jogando aos cães, mas para dorlí ninguém jogava ¨bola¨, como era chamado a comida que matava a cachorrada, pois todos tinham pena do mesmo.
Por ter vivenciado esse fato, então, não me surpreende ao ler a noticia do ¨caramelo¨que estava ao lado do tumulo e seus donos.
Sempre concordei com a frase ¨Amor a todos os animais, até aos racionais¨.

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