terça-feira, 23 de abril de 2013

Entrevista – Falta de educação é entrave para mobilidade


Para Geraldo Spagno, lei federal veio chacoalhar o setor, e município que não se preparar perderá direito a recursos.
Até 2015, os municípios que tiverem mais de 20 mil habitantes deverão elaborar planos de mobilidade urbana, atrelados aos planos diretores, conforme determina a Lei Federal 12.587, de 2012. De acordo com o mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do livro Comentários à Lei de Mobilidade Urbana, esse é o marco regulatório que faltava para o setor. Por outro lado, as cidades estão despreparadas para cumprir com a legislação. O assessor jurídico da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), palestrista e consultor de entes públicos e privados, defende nesta entrevista a educação para a mobilidade urbana, o que, segundo ele, é o maior entrave para a área. Spano participou de uma das reuniões preparatórias para o evento Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, que será realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no 1º semestre de 2013.
Quais os princípios mais importantes do direito à mobilidade? E quais as condicionantes?
O artigo 5º da Lei de Política Nacional de Mobilidade Urbana enumera nove princípios, todos eles relacionados à promoção da melhoria e segurança da circulação e deslocamento de pessoas e cargas no contexto urbano. Em caso de conflito circunstancial entre os princípios será adotada uma preponderância eventual de um sobre outro, conforme o caso demandar. De qualquer forma, a sustentabilidade das cidades e da convivência cidadã, conforme dispõe a Lei 12.587, parece o princípio mais abrangente.
Quais os principais entraves à questão da mobilidade urbana no Brasil e em Belo Horizonte?
O maior entrave ainda é a falta de educação para a mobilidade entre os brasileiros, que, em sua maioria, até sabem se conduzir adequadamente quando em viagem ao exterior e se espelham na cultura local quando lá estão, mas não repetem essa postura quando se deslocam em transporte, motorizado ou não, em nossas vias públicas. Outro entrave é que ainda está sendo travada uma guerra entre modais, contaminando um pouco a escolha para cada local, a qual deve considerar, preferencialmente, componentes técnicos, econômicos e geográficos, nessa ordem de importância.
Como o senhor avalia o atual estado da mobilidade urbana na Região Metropolitana de Belo Horizonte? Como resolver o problema?
O problema da Capital não é muito diferente do de outras metrópoles brasileiras, senão pelo fato de ter sido, ao menos inicialmente, uma cidade planejada do ponto de vista urbano. Mesmo aqui, a cultura do “puxadinho” egoísta e da burla inconsequente a normas básicas gera transtornos. O que também acontece é que planejamento e mobilidade urbanos têm prazo de validade e são assuntos sobre os quais o trabalho em curto prazo não traz resultados significativos. A solução não pode ser populista nem pontual. Tem que ser conceitual e com vistas ao benefício coletivo e mais duradouro possível. Sem dúvida, o estado atual é consequência de um planejamento ineficiente no passado e da tolerância ao individualismo. A ordem se estabelece com técnica, leis e sanções objetivas e inegociáveis.
Os municípios com mais de 20 mil habitantes estão preparados para elaborar planos de mobilidade urbana em até três anos, conforme estabelece a Lei Federal 12.587?
Tenho prestado consultorias a diversos municípios e no interior ouço sempre o mesmo discurso. Todos se dizem despreparados para os desafios da mobilidade e, com raríssimas exceções, essa é a pura verdade. Não há técnicos nem investimentos nessa área. A lei nacional veio chacoalhar o setor, e quem não se preparar perderá o direito a recursos federais para a mobilidade.
Qual a importância dessa legislação?
É o marco regulatório que faltava, uma norma de ordem pública, o que significa que a ela todos os entes federativos e cidadãos se submetem. Sem ela algumas necessidades dos municípios não podiam ser reguladas e aplicadas. A lei é um conjunto normativo intermediário. Conjunto porque consolida em texto único de princípios, diretrizes, objetivos e medidas mitigadoras das externalidades negativas que o uso iníquo da via pública provoca. Intermediário porque cumpre comando constitucional e, ao mesmo tempo, impõe regramentos que o complementam conforme o âmbito estatal a prover. A lei agrega valores fundamentais, na medida em que se propõe a fomentar a inserção cidadã através da acessibilidade que promove a cada um em todos os níveis.
Qual a diferença entre educação para o trânsito e educação para mobilidade?
A educação para o trânsito forma o cidadão visando sempre ao trânsito seguro. Portanto, tem foco no direito à vida e na preservação dela. A educação para a mobilidade prepara o cidadão para a acessibilidade universal e a sustentabilidade nos deslocamentos de pessoas e cargas. Portanto, tem o foco na qualidade de vida. Existem outras distinções de ordem legal, mas nada impede que onde uma estiver presente, a outra também esteja.
O senhor disse que há uma guerra entre os modais de transporte hoje no Brasil. Quais as principais consequências disso?
A primeira é que arrasta a solução, porque a discussão sobre qual modal deve ser adotado em cada contexto é feita sob pressão dos investidores interessados, e não focada em torno do interesse público, gerando também por isso um risco para a escolha acertada. A guerra é própria da economia de mercado e pode ter efeito positivo ou não, conforme a seriedade com que são travados os debates, mas, sem dúvida, a discussão toma tempo, o que, a essa altura, aumenta o caos urbano e posterga o almejado desenvolvimento sustentável.
Em relação à sustentabilidade, quais as principais medidas que precisam ser tomadas pelos setores públicos e privados para que ela seja efetivada?
O princípio da sustentabilidade não concerne apenas às questões de meio ambiente, mas impõe também a necessidade de viabilizar social e economicamente as delegações e a fruição dos serviços de transporte coletivo urbano. Os princípios aplicáveis à mobilidade refletem a imprescindibilidade da ordenação sustentável dos deslocamentos com o objetivo de garantir e devolver aos citadinos dois bens preciosos perdidos: o tempo e a vida digna e saudável. A lei estabelece dois nortes seguros: a prioridade do transporte coletivo sobre o individual e do não-motorizado sobre o motorizado. Todas as medidas com esses focos são bem-vindas.
Esta entrevista faz parte de séries de matérias especiais sobre a mobilidade urbana do site da Assembléia Legislaiva do Estado de Minas Gerais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário