Conhecido por
contestar os princípios morais conservadores da Igreja Católica, um padre de
Bauru (329 km de SP) que havia sido formalmente repreendido pelo bispo local
anunciou neste sábado que irá se afastar de suas funções religiosas.
Roberto
Francisco Daniel, 48, conhecido como padre Beto, havia recebido um prazo até
segunda-feira (29) do bispo diocesano, Dom Caetano Ferrari, 70, para se
retratar e "confessar o erro" cometido em declarações divulgadas na
internet. Em um vídeo, o padre admitiu a possibilidade de existir amor entre
pessoas do mesmo sexo.
O bispo também
determinou que as declarações fossem retiradas do site Youtube e das redes
sociais.
Na manhã de
hoje, o padre anunciou seu "desligamento do exercício dos ministérios
sacerdotais" em entrevista coletiva no salão de festas do prédio onde
mora.
O ultimato do
bispo veio após a publicação de vídeos em que padre Beto questiona dogmas da
Igreja Católica e afirma a possibilidade de existir amor entre pessoas do mesmo
sexo, inclusive por parte de bissexuais que mantêm casamentos heterossexual.
Ele também questionou os conceitos de
fidelidade matrimonial, dizendo que casos extraconjugais não consistiam em
traição se fossem "abertos".
As declarações provocaram reações de
católicos tradicionais da comunidade de Bauru, que não aceitam a postura do
padre.
Por outro lado, a ordem do bispo gerou
manifestações de apoio ao religioso e provocou comoção entre frequentadores das
missas e palestras do padre, que também escreve artigos em jornais, é autor de
livros e apresenta um programa de rádio numa emissora local.
AFASTAMENTO
Ao anunciar seu afastamento da Igreja, o
padre disse que não iria tirar nenhum material de seu site e das redes sociais
e que não tem a quem pedir perdão e nem motivos para isso.
"Se refletir é um pecado, sempre fui e
sempre serei um pecador", afirmou. "Quem disse que um dogma não pode
ser discutido? Não consigo ser padre numa instituição que no momento não
respeita a liberdade de expressão e reflexão".
Mesmo com o pedido de afastamento, Beto
continua sacerdote, sem, no entanto, poder exercer os ministérios.
O padre não descarta a possibilidade de
voltar, desde que a Igreja fique mais progressista. Afirmou que vai manter o
celibato e poderá encontrar seus seguidores para reuniões de orações, sem que
isso signifique a criação de uma nova religião.
ESTILO
Padre Beto sempre chamou a atenção dos
católicos da cidade pelo estilo diferente dos religiosos tradicionais. Circula
pela cidade vestindo camisetas com estampas "roqueiras" ou a imagem
do guerrilheiro comunista Che Guevara. Usa piercing, anéis e frequenta
choperias.
Formado em teologia pela universidade
Ludwig-Maxilian de Munique, morou dez anos na Alemanha. Lá também fez doutorado
em ética. Suas homílias progressistas lotam missas e criaram uma legião de fãs
em Bauru.
Para anunciar sua decisão, escolheu uma
camiseta que dizia "No Gracias". O religioso afirmou que se trata de
um recado para a cúpula da igreja em Bauru, a quem não tem nada a agradecer.
O padre chamou de hipocrisia a manutenção
de regras morais que não combinam com nossa época, como a proibição do uso de
métodos anticoncepcionais.
Criticou a Igreja Católica também por
"fechar os olhos" a problemas sociais e citou a situação de
professores, policiais e aposentados que têm baixa remuneração. Falou ainda do
sistema carcerário, definido como desumano e ridículo.
"A CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil) deveria bater de frente com o Congresso Nacional, que pega o
nosso dinheiro e faz pouco", disse. "Deixo a igreja e permaneço com
minha coerência".
O bispo de Bauru, que havia se referido a
padre Beto como um "filho querido, mas rebelde", não comentou a
decisão e as declarações do padre.
A assessoria de imprensa informou que isso
só será feito quando o afastamento for comunicado oficialmente, na
segunda-feira.
Padre Beto pretende se despedir em duas
missas marcadas para este domingo. Um grupo de amigos postou nas redes sociais
um convite à população para acompanhar a despedida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário