quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Der Spiegel: Lula, “pai dos pobres”, provocou “milagre” no Brasil


“O Brasil é visto como uma história de sucesso econômico e sua população reverencia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um astro.” É assim, sem meias palavras, que a conservadora revista alemã Der Spiegel inicia, nesta quarta-feira (25), uma elogiosa matéria a respeito do Brasil sob o governo Lula.
O título da matéria resume bem a conclusão da revista: “’Pai dos Pobres’ provocou milagre econômico no Brasil”, De acordo com a publicação alemã, “Lula se impôs a missão de transformar o Brasil numa das cinco maiores economias do mundo através de reformas, gigantescos projetos de infraestrutura e a exploração de reservas de petróleo.Mas, ele enfrenta obstáculos”.

Confira abaixo a íntegra da matéria.
"Pai dos Pobres" provocou milagre econômico no Brasil

Por Jens Glüsing, na Der Spiegel


O Brasil é visto como uma história de sucesso econômico e sua população reverencia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um astro. Ele está na missão de transformar o país em uma das cinco maiores economias do mundo por meio de reformas, projetos gigantes de infraestrutura e explorando vastas reservas de petróleo. Mas ele enfrenta obstáculos.

Elizete Piauí aguarda pacientemente por horas à sombra de uma mangueira. Ela calça sandálias de plástico e veste um short largo sobre suas pernas finas. A 40ºC, o ar tremula neste dia incomumente quente na Barra, uma pequena cidade no sertão, o coração do Nordeste brasileiro. Mas Elizete não se queixa, porque hoje é seu grande dia, o dia em que se encontrará com o presidente, que está trabalhando para fornecer água encanada para sua casa.

O barulho de um helicóptero sinaliza sua chegada. A aeronave branca sobrevoa a multidão antes de pousar. Uma escolta de batedores acompanha o presidente até a cerimônia.

Lula sai da limusine vestindo uma camisa branca de linho e um chapéu militar verde. Ignorando os dignitários locais em seus ternos pretos, Lula segue direto para a multidão atrás de uma barreira de segurança. "Lula, Papai!", chama Elizete. Ele a puxa até seu peito e aperta a mão de outros na multidão, permitindo que as pessoas o toquem, façam carinho e o abracem. Gotas de suor correm pelo seu rosto corado enquanto pessoas o puxam pela camisa, mas Lula se deixa embeber na atenção. Ele se sente em casa aqui, em uma das regiões mais pobres do Brasil.

O presidente passa três dias viajando pelo sertão. Ele conhece a rota. Ele veio à região pela primeira vez há 15 anos, em campanha, viajando de ônibus e ficando hospedado em locais baratos. Ele fazia paradas em todas as praças, sete ou oito vezes por dia, geralmente realizando seus discursos na traseira de um caminhão. Sua voz geralmente ficava rouca e fraca à noite e ele tinha que trocar sua camisa suada até 10 vezes por dia.

'Ele ainda é um de nós'

Agora ele viaja de helicóptero e carros blindados, com os carros da polícia, com suas luzes piscando, abrindo o caminho ao longo das estradas. Voluntários montam aparelhos de ar condicionado e bufês nos aposentos de Lula, às vezes até mesmo estendem um tapete vermelho. A imprensa critica as despesas, mas isso não incomoda a maioria dos brasileiros, porque eles têm orgulho de seu presidente. Ele chegou ao topo, eles argumentam, então por que não desfrutar de seu sucesso? "Ele ainda é um de nós", diz Elizete, "porque ele é o pai dos pobres".

Lula está familiarizado com o destino dos nordestinos pobres do Brasil. Ele nasceu no sertão, mas sua mãe colocou seus filhos na traseira de um caminhão e os levou para São Paulo, 2 mil quilômetros ao sul. A posterior ascensão de Lula ao poder começou nos subúrbios industriais de São Paulo. Sua mãe foi uma das centenas de milhares de pessoas carentes que deixaram o sertão atormentado pela seca, com seus campos ressecados e animais morrendo de sede, e migraram para o sul mais rico, para trabalhar como porteiros, garçons, operários de construção ou empregados domésticos.

Em um plano para tornar verde esta região árida, Lula está explorando as águas dos 2.700 quilômetros do Rio São Francisco, um rio vital para grandes partes do Brasil. O rio fornece água para cinco Estados, mas ele faz contorna o Sertão. Segundo o plano de Lula, dois canais desviarão água do rio por 600 quilômetros até as áreas atingidas pela seca. "É o mínimo que posso fazer por vocês", Lula diz às pessoas na Barra.

Projeto controverso

O megaprojeto, que exige a superação de uma diferença de altitude de 200 metros, tem um custo estimado de R$ 6,6 bilhões. Lula posicionou soldados na região para escavar os canais. Oito mil trabalhadores labutam nos canteiros de obras enquanto tratores e escavadeiras movem a terra pela estepe. Se tudo correr bem, 12 milhões de brasileiros se beneficiarão com o projeto de transposição de águas, que deverá ser concluído em 2025. É o maior e mais caro projeto de Lula, assim como provavelmente seu mais controverso.

Aqueles que o apoiam comparam Lula ao presidente americano Franklin D. Roosevelt, que represou o Rio Tennessee nos anos 30, para fornecer eletricidade à região, e que lançou o New Deal, um imenso programa de investimento para superar a Grande Depressão. Mas os críticos veem a obra como um imenso desperdício de dinheiro. O projeto também atraiu a ira dos ambientalistas e até mesmo o bispo da Barra já fez duas greves de fome contra ele. Ele teme que o projeto de transposição das águas secará ainda mais o rio, alegando que a irrigação beneficiaria principalmente o setor agrícola.

O bispo não está presente. Dizem que ele está participando de reuniões fora da cidade. Na verdade, o religioso está mantendo discrição. As críticas ao presidente são desaprovadas por sua congregação. Lula fala a linguagem das pessoas comuns, contando histórias de sua juventude aos seus simpatizantes, histórias dos tempos em que sua mãe o enviava para buscar água e ele voltava para casa equilibrando um balde pesado sobre sua cabeça. Ele tinha cinco anos na época.

O Brasil já foi chamado de "Belíndia", um termo cunhado por um empresário que via o vasto país como uma mistura entre a Bélgica e a Índia, um lugar com riqueza europeia e pobreza asiática, onde o abismo entre ricos e pobres parecia intransponível. Lula foi o primeiro a construir uma ponte entre os dois Brasis.

Agora ele é tanto o queridinho dos banqueiros quanto ídolo dos pobres. Com o chamado presidente operário no comando, o Brasil está atraindo investidores de todas as partes do mundo. Jim O'Neill, o economista chefe do Goldman Sachs, inventou a sigla Bric para as economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, prevendo um futuro brilhante para o gigante sul-americano. Mas seus colegas zombaram dele. A China e a Índia certamente tinham perspectivas, mas o Brasil? Por décadas o país era visto como um gigante acorrentado, atormentado por crises infindáveis e inflação.

Potência econômica ascendente

Mas hoje o "B" é a estrela entre os países Bric, com os especialistas prevendo um crescimento de até 5% para a economia brasileira em 2010. O Brasil está atualmente crescendo mais rápido do que a Rússia e, diferente da Índia, não sofre de conflitos étnicos ou disputas de fronteira. O país de 192 milhões de habitantes possui um mercado doméstico estável, com as exportações - carros e aeronaves, soja e minério de ferro, petróleo e celulose, açúcar, café e carne bovina - correspondendo a apenas 13% do produto interno bruto.

E como a China substituiu os Estados Unidos como maior parceira comercial do Brasil no início deste ano, o país não foi severamente afetado pela recessão no mercado americano como poderia ter sido. Os bancos do Brasil são fortes, estáveis e não encontraram grandes dificuldades durante a crise. Mais importante, entretanto, é o fato do Brasil ser uma democracia estável, ao estilo ocidental.

O país pagou sua dívida externa e até mesmo passou a emprestar ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo acumulou mais de US$ 200 bilhões em reservas e o real é considerado uma das moedas mais fortes do mundo. Especialistas internacionais preveem uma década de prosperidade e crescimento para o país. Lula prevê que o Brasil será uma das cinco maiores economias do planeta em 2016, o ano em que o Rio de Janeiro será sede dos Jogos Olímpicos. O país será sede da Copa do Mundo de 2014.

E ainda há os recursos naturais aparentemente ilimitados do Brasil, vastas reservas de água doce e petróleo. O Brasil exporta mais carne do que os Estados Unidos. E a China estaria em dificuldades sem a soja brasileira. Nos hangares da fabricante de aviões, a Embraer, perto de São Paulo, engenheiros brasileiros constroem aviões para companhias aéreas de todo o mundo, incluindo aviões para trajetos menores para a Lufthansa.

Um patriarca extremamente popular

Em outras palavras, o presidente Lula tem bons motivos para estar repleto de autoconfiança. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, o estão cortejando, enquanto Wall Street praticamente o venera. Ele é até mesmo tema de um novo filme, "Lula, o Filho do Brasil", que descreve a saga de sua ascensão de engraxate a presidente.

Todo o Brasil desfruta da fama de seu presidente que, há menos de sete anos no poder, atualmente conta com um índice de aprovação acima de 80%. A oposição praticamente desapareceu e o Congresso se tornou submisso. Lula dirige o país como um patriarca, tanto que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, o está acusando de "autoritarismo" e alertando que o Brasil está no caminho de um capitalismo estatal.

Há um quê de verdade nas alegações de Fernando Henrique. Lula nunca teve confiança na capacidade do mercado de curar a si mesmo e considera que o Estado deve moldar uma nova ordem social. Ele adora projetos impressionantes e gestos nacionalistas. Ele é pragmático, mas despreza especuladores. "Brancos com olhos azuis" levaram o mundo à beira da ruína financeira, ele disse recentemente. Ele falava dos banqueiros.

A crise financeira apenas confirmou o ceticismo de Lula em relação ao capitalismo. Lula acredita que o Brasil lidou melhor com a crise do que outros países porque o governo adotou medidas corretivas desde cedo. Segundo Lula, o combate à pobreza e a distribuição justa de renda não podem ficar aos cuidados do mercado.

Classe média crescente

Sob sua liderança, milhões de brasileiros ingressaram na classe média. A evidência dessa transformação social está por toda a parte: nos shopping centers do Rio e São Paulo, lotados de famílias barulhentas da periferia, ou nos aeroportos, onde mães jovens ficam na fila do balcão de check-in, aguardando para embarcar em um avião pela primeira vez em suas vidas. "A desigualdade entre ricos e pobres está começando a diminuir", diz o economista e especialista em estudos sobre a pobreza, Ricardo Paes de Barros.

A chave para aquela que provavelmente é a maior redistribuição de riqueza na história brasileira é o programa social Bolsa Família, sob o qual uma mãe carente que possa comprovar que seus filhos estão frequentando a escola recebe até R$ 200 por mês do governo. A primeira vista pode não parecer muito, mas este subsídio do governo ajuda milhões de pessoas a sobreviverem no Nordeste brasileiro.

Especialistas inicialmente criticaram o programa como sendo apenas uma esmola, mas agora ele é visto como um modelo mundial. Mais de 12 milhões de lares recebem os subsídios, com grande parte do dinheiro indo para o Nordeste. Graças ao programa Bolsa Família, a região antes atingida pela pobreza começou a prosperar. Muitos nordestinos abriram pequenas empresas ou lojas e a indústria descobriu o Nordeste como mercado. "Agora a região está crescendo por conta própria", diz Paes de Barros.

Lula foi abençoado pela sorte. Seu antecessor, Fernando Henrique, já tinha estabilizado a economia, que sofria com a hiperinflação, quando foi ministro da Fazenda em 1994. Ele impôs uma reforma da moeda ao país e implantou leis que forçaram o governo a adotar políticas com responsabilidade fiscal. Lula não mudou nada disso.

Não havia necessidade de Lula reinventar a política econômica e social do Brasil. O país tem uma tradição de controle total da economia pelo governo que remonta aos anos 30.

O plano Marshall próprio do Brasil

Os centros nervosos da política econômica do país ficam abrigados em dois imponentes arranha-céus no centro do Rio. O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que conta com seus escritórios em uma torre de aço e vidro, foi criado com a ajuda americana e usando o KFW Banking Group da Alemanha como modelo. Ele financiou uma versão brasileira do Plano Marshall.

Nos anos 90, o BNDES administrou com sucesso a privatização de muitas estatais brasileiras. Hoje, ele fornece assistência a fusões e aquisições corporativas, ajuda empresas em dificuldades e financia os investimentos estratégicos do governo.

O BNDES é altamente respeitado. Acredita-se que seja em grande parte livre de corrupção e ele paga os mais altos salários do país. "Há um ano, os bancos estrangeiros batiam à minha porta perguntando se o Brasil estava preparado para a crise financeira", diz Ernani Teixeira, um dos diretores financeiros do banco. Teixeira conseguiu tranquilizá-los, notando que o BNDES tinha separado R$ 100 bilhões em reservas adicionais. No ano passado, o banco emitiu mais empréstimos e garantias de empréstimos do que o Banco Mundial - e até apresentou um lucro respeitável.

O segundo pilar do milagre econômico brasileiro fica diagonalmente no outro lado da rua: um bloco de concreto, iluminado à noite com as cores nacionais, verde e amarelo, é a sede do grupo de energia semiestatal Petrobras. A empresa planeja investir US$ 174 bilhões nos próximos quatro anos em plataformas de perfuração, navios e outros equipamentos para explorar as grandes reservas de petróleo além da costa do Brasil.

Há um ano e meio, a Petrobras descobriu novas reservas de petróleo sob o leito do oceano. Mas o petróleo será difícil de extrair, por estar situado abaixo de uma camada de sal em profundidades de pelo menos 6 mil metros. A expectativa é de que os poços comecem a produzir daqui pelo menos seis anos. A receita desse petróleo será depositada em um fundo que o governo usará principalmente para financiar novas escolas e universidades.

Lula apresentou recentemente uma legislação que regulamentaria a exploração das reservas de petróleo submarinas, fortalecendo assim o monopólio da Petrobras. Especialistas temem que Lula esteja criando um monstro corporativo poderoso e corruptível.

Obstáculos burocráticos

O imenso apagão que ocorreu simultaneamente em grandes partes do país, há duas semanas, teria sido um sinal de alerta de que o governo está indo além de sua capacidade? A modernização da infraestrutura decrépita do Brasil está avançando, mas lentamente. Bilhões de dólares em investimentos em portos, construção de estradas e no setor de energia existem apenas no papel, com a implantação atrapalhada por uma burocracia kafkaniana e um Judiciário moroso. Além disso, o país também não teve muito sucesso no combate à criminalidade.

Lula tem mais um ano no poder, após ter resistido à tentação de manipular a Constituição para garantir sua reeleição para um terceiro mandato. Ávido em preservar seu legado, ele tem buscado a indicação de sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como sua sucessora, apesar da resistência dentro do próprio Partido dos Trabalhadores.

Rousseff, que foi integrante dos grupos guerrilheiros de esquerda após o golpe militar de 1964 e que posteriormente passou anos presa, tem uma reputação de tecnocrata competente, mas é vista como inacessível e autoritária. Ela está acompanhando o presidente em suas viagens pelo país, inaugurando novas estradas e usinas elétricas. Lula a apoia de modo tão determinado que até parece estar fazendo campanha para si mesmo.

Ela também está com ele em seu giro pelo Nordeste, apesar dos médicos terem removido um tumor de sua axila há poucos meses. Acredita-se que ela esteja curada e ela atualmente usa uma peruca após a quimioterapia. Seu rosto é pálido e seu sorriso parece congelado. O presidente a puxa para o seu lado quando ele caminha até o microfone, e ele menciona o nome dela repetidas vezes.

Elizete Piauí, ainda completamente embriagada pelo seu encontro com Lula, a viu pela televisão. Ela sabe que Dilma é a candidata de Lula e ela fará campanha pela ministra, apesar de que preferiria que Lula permanecesse no poder. "Eu votarei em qualquer pessoa que ele indicar", ela diz.

Lula também prometeu retornar. Antes do fim de sua presidência, ele planeja fazer outra viagem ao Nordeste para ver o quanto progrediram as obras no Rio São Francisco. Talvez, espera Elizete, ele terá atendido seu maior desejo até lá e ela poderá servir a ele um copo de água - de sua própria torneira, em sua própria casa.



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