Além de regular
os aumentos remuneratórios de servidores, que se direcionam a reengenharias ou
revalorizações de carreiras específicas, o inciso X, do artigo 37, da
Constituição Federal determina que, anualmente, todos devem, ao menos, receber
uma recomposição equivalente à corrosão inflacionária para manter o valor real
de seus salários. A primeira hipótese é chamada de reajuste, que fica condicionada
à discricionariedade do governo. Já a segunda é denominada revisão geral anual,
impositiva e que deve ser fixada em idênticos índices para todos os servidores.
É conhecido o
fato de que o funcionalismo público federal, de longa data, sequer tem a
recomposição inflacionária anual, diminuindo-se periodicamente os valores
salariais batalhados com muita dificuldade. Como raro exemplo, em 2003, foram
editadas duas leis afetando a remuneração de servidores públicos federais,
abrangendo civis e militares dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
de autarquias e fundações públicas federais. Por meio da Lei 10.697/2003, foi
concedido o percentual de 1% a título de revisão geral da remuneração. No mesmo
dia, foi criada a Vantagem Pecuniária Individual (VPI), de R$ 59,87, pela Lei
10.698/2003, concedida indistintamente a todo o funcionalismo federal.
Ao instituir
essa VPI em valor certo a todos servidores, a Lei 10.698/2003 mascarou uma
revisão geral, burlando a regra da igualdade de índices. É que, com a concessão
de R$ 59,87 a todos esses servidores, os que ganhavam menos tiveram um impacto
remuneratório maior, violando a identidade de tratamento exigida
constitucionalmente (Constituição Federal, artigo 37, inciso X). A conversão
desse valor sobre a proporção da menor remuneração do funcionalismo resultava
no percentual de 14,23%, que deveria ser o índice efetivamente aplicado para
todas as remunerações dos servidores federais.
Levada a
discussão ao Poder Judiciário, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
pioneiramente, decidiu em favor dos servidores que não tiveram as suas
remunerações revistas no percentual de 14,23%. Em seguida, o Superior Tribunal
de Justiça passou a adotar o mesmo entendimento, o que levou, por exemplo, o
Superior Tribunal Militar, o Conselho Nacional do Ministério Público da União,
o Ministério Público da União, o Conselho da Justiça Federal e o Tribunal
Superior do Trabalho a, administrativamente, concederem essa revisão a seus
servidores.
Já o Supremo
Tribunal Federal tem apresentado uma posição peculiar. Antes, quando a maioria
dessas demandas não lograva êxito nas instâncias inferiores, a corte suprema
não julgava a matéria, pois entendia não ser da sua competência. Agora, diante
dessas concessões judiciais e administrativas, a 2ª Turma do STF passou a
suspender tais pagamentos, invocando, preponderantemente, a sua Súmula
Vinculante 37, que desencoraja decisões judiciais que aumentem remuneração de
servidores ao fundamento da isonomia.
Todavia, esse
cenário está longe de ser o definitivo, não só porque não há pronunciamentos do
Plenário ou da 1ª Turma do STF, mas, principalmente, porque a corte ainda não
se debruçou sobre a Súmula Vinculante 51, na qual se entendeu inconstitucional
a diferença de índices de revisão dados em 1993 ao funcionalismo federal em
situação juridicamente idêntica ao caso vertente (sendo favorável, portanto, à
concessão da correção em 14,23% da remuneração dos servidores federais).
Por coerência,
no embate entre as súmulas vinculantes 37 e 51, o STF certamente decidirá em
favor da última. Isso porque o enunciado da Súmula Vinculante 37 busca impedir
equiparações remuneratórias com fundamento em isonomia ampla e genérica, sem
maiores critérios (vedação que foi, inclusive, reforçada pela reforma
constitucional de 1998). Ao passo que a revisão geral não se reduz à mera
alegação de isonomia, pois a Constituição Federal define um aspecto identitário
com três requisitos específicos (anualidade, generalidade e índices idênticos),
afinal a desvalorização da moeda é a mesma para todos os servidores.
Nota-se,
portanto, que a isonomia ampla vedada na Súmula Vinculante 37 (baseada na
Constituição Federal, artigo 39, parágrafo 1º) é diversa do cuidado com a
identidade específica autorizada pela Súmula Vinculante 51 (baseada na
Constituição Federal, artigo 37, inciso X).
E a
possibilidade jurídica da recomposição inflacionária em 14,23% combina com a
realidade econômica, pois o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)
mensurado no mês de janeiro de 2003, em relação aos 12 meses antecedentes,
indica o percentual de 16,3294% de inflação. Quando comparado ao índice
mensurado ao final de junho de 2003, constata-se o percentual de 19,6355%.
Acaso tome-se como parâmetro a inflação anual acumulada no ano de 2002,
constata-se o percentual de 14,74%.
Assim, não há
como sustentar que o índice de 14,23% seria um aumento de remuneração para
esses servidores, pois sequer cobre a variação inflacionária que, pela
Constituição Federal, deveria o poder público anualmente recompor. Se há rombo
nas contas, seguramente é na dos servidores, desde 2003.
Consultor
Jurídico - 17/07/2016
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