Patrimônio
História volta aos trilhos
Força-tarefa firma convênio com prefeituras para garantir a recuperação de estações de trem entregues ao abandono e à degradação
Junia Oliveira As administrações assumiram a obrigação de fazer obras emergenciais e de restaurar os prédios. Até o início de abril, as prefeituras devem providenciar o tombamento dos imóveis em âmbito municipal e elaborar os projetos de restauração dos prédios, que serão apresentados ao Iphan. O instituto terá prazo de 90 dias, a partir da data de recebimento, para analisar os documentos. As restaurações deverão ocorrer em, no máximo, 12 meses, a contar da data de aprovação do projeto, com recursos dos municípios. A supervisão e a fiscalização das obras ficarão a cargo do Iphan, que deverá ainda expedir as orientações e recomendações de natureza técnica para as intervenções. Quem descumprir o acordo está sujeito a multa diária de um salário mínimo (R$ 465). Minas Gerais tem 1,5 mil bens da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). A maioria, segundo o coordenador das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda, está completamente abandonada. “As estações fizeram parte do cotidiano de muitas pessoas e foram largadas de forma abrupta. Ficou uma lacuna em vários locais. Muitos perderam a razão de ser com a retirada do transporte de passageiros, como as regiões de Barra Mansa (RJ), Lavras (Sul de Minas) e Miguel Burnier. Algumas povoações se transformaram em verdadeiras cidades fantasmas”, afirma. Até agora, a responsabilidade sobre as estações foi transferida para 10 municípios. Há seis meses, foi assinado termo de compromisso também para a preservação de Mariano Procópio (distrito de Juiz de Fora, na Zona da Mata), Andrelândia (Sul de Minas), Conselheiro Mata (distrito de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha), Velho da Taipa (em Conceição do Pará, no Centro-Oeste do estado) e Uberaba (Triângulo). “O interessante é que não foi uma imposição. Todas as cidades que fazem parte do acordo quiseram e nos procuraram”, relata o promotor. As cidades comemoram o repasse da gestão das estações às prefeituras. Em Congonhas, o processo de restauração da Lobo Leite promete ser simples, com a substituição de telhas e esquadrias, conserto de portas e janelas, uma vez que o imóvel não apresenta problemas estruturais, como trincas e rachaduras. O diretor de Patrimônio Histórico da cidade, Maurício Geraldo Vieira, ressalta a importância da iniciativa: “Reivindicávamos a estação havia muito tempo. É um espaço centralizado e chave para a prefeitura, que paga aluguel de posto de saúde e dos Correios. Queremos criar também um espaço no qual as pessoas podem ter cursos de dança e teatro, fazer uma horta e várias outras atividades que as façam se sentir parte desse patrimônio”, diz. Resgate do coração de um povoado Ele passou muitas horas boas da juventude na estação e consegue, mesmo diante de um imóvel destruído, sem janelas, com o piso comprometido, paredes mofadas e telhas quebradas, apontar o que funcionava em cada cômodo da casa: bar, armazém de carga, escritório de expedição, sala de espera de passageiros, do chefe da estação e a do telégrafo. Do lado de fora, resistem ainda restos do alojamento dos maquinistas, de funcionários da estação e dos chefes dos trens, da caixa-d’água da maria-fumaça, da conserva de vagões e da balança ferroviária (hoje transformada por moradores do entorno numa grande área para secar roupas). Uma passarela ligava o bar a outro boteco, do lado oposto dos trilhos, parada obrigatória para comer o famoso pão com linguiça. “Viajei muito de trem, que era o único meio de transporte da região. Muita gente arrumou namorado e se casou na estação. Se for contar quantas vezes o pessoal andava no pátio, dá muitos quilômetros”, relembra Tuia. Depois de tantos anos de abandono, sonha em ver o espaço, inaugurado em 1887, revitalizado. O genro dele, Marco Antônio da Costa, participou ativamente do movimento para recuperar Miguel Burnier e, por isso, conhcece cada detalhe e fala com orgulho dos próximos passos. Ainda este mês, a prefeitura deverá pôr lona no teto e fechar portas e janelas com tapumes. “É difícil voltar o trem de passageiros, mas a restauração do lugar já é uma grande vitória.” Papel social terá destaque Grande parte deles representa a memória cultural de vilas e municípios e, neste caso, manter as tradições significa garantir que gerações futuras tenham acesso à história do lugar no qual vivem. Na estação de Lassance, no Norte de Minas, será criado um complexo educativo, cultural e turístico que vai sediar a biblioteca e as secretarias de Cultura e Turismo. A área externa servirá para a difusão de atividades culturais e esportivas. O local é um exemplar arquitetônico construído no início do século 20. Foi inaugurado em 1908 e tem enorme relevância para o país, pois, durante sua passagem por Lassance, ela serviu de consultório ao médico sanitarista e cientista Carlos Chagas (1879-1934), quando descobriu a doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi. As estações de Chiador (Zona da Mata) e Campanha (Sul de Minas) também vão se tornar centros culturais. A primeira é a mais antiga do estado – foi inaugurada em 1869, em solenidade que contou com a presença do então imperador dom Pedro II. Os cuidados com Miguel Burnier, em Ouro Preto, ficarão a cargo de um agente público que more no distrito. A de Lobo Leite, em Congonhas, na Região Central do estado, será transformada em espaço multiuso, com salão para eventos e reuniões da comunidade e salas multimídia. O local vai abrigar ainda um ponto de apoio a turistas que passam pela Estrada Real. |
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