A compra de 723 hectares por R$ 9 mil, com direitos de lavra cedidos gratuitamente para uma mineradora, foi uma das denúncias ouvidas nesta sexta-feira (29/6/12) pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. As denúncias de grilagem de terras, fraude e ameaças foram feitas por mais de 150 pequenos proprietários rurais e representantes de movimentos sociais de Grão Mogol (Região Norte) em audiência pública realizada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, a requerimento dos deputados Rogério Correia (PT) e Luiz Henrique (PSDB).
Um dos principais casos foi relatado pelo advogado Élcio Pacheco, da Rede Nacional de Advogados Populares. Ele apresentou documentos que registram a compra, pela Agropecuária Lago Norte Ltda, representada por Cleanto Barros de Queiroz, residente em Patos de Minas (Alto Paranaíba), de 723 hectares em Grão Mogol. Os direitos de exploração do subsolo da propriedade foram cedidos gratuitamente à Mineradora Minas Bahia (Miba). A suspeita é de que o comprador seria um testa de ferro da empresa. “No Direito Civil, isso se chama simulação”, denunciou o advogado.
Segundo Pacheco, o agricultor que vendeu as terras foi levado por Cleanto ao cartório em um carro da Miba. Adão José Alves, analfabeto, com mais de 70 anos de idade, recebeu R$ 9 mil pelas terras e teria sido convencido de que estaria assinando a venda de 70 hectares para criação de uma reserva ambiental. Na verdade, foram registrados 723 hectares, que segundo Élcio Pacheco valeriam R$ 24 milhões, se considerado o preço de R$ 35 mil por hectare, praticado em acordos fechados em outros empreendimentos na região.
A Miba é uma das mineradoras que está investindo na exploração de minério de ferro em Grão Mogol e no município vizinho de Rio Pardo de Minas. Convidada a comparecer à audiência pública, não enviou representante. Em protocolo de intenções assinado em 2010 com o Governo de Minas, a empresa anunciou investimentos de R$ 857 milhões em mineração de ferro na região, R$ 1,86 bilhão para a construção de uma usina de concentração e R$ 900 milhões para criação de um corredor logístico, para transporte da produção, que começaria em 2015.
Outra empresa que está se instalando na região é a Sul Americana de Metais (SAM), do Grupo Votorantim, que vem realizando sondagens para exploração de minério e instalação de um mineroduto, que irá até o litoral baiano. O coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Moisés Borges de Oliveira, também acusou a SAM e a Vale de utilizarem grileiros para comprar terras no Norte de Minas. No caso da Vale, ele citou uma operação da Polícia Federal que teria identificado pagamentos de R$ 41 milhões à empresa Floresta Empreendimentos, acusada de fraudar títulos de terras públicas no Norte de Minas.
Moisés Oliveira afirmou ainda que representantes da SAM vem visitando famílias dos municípios de Taiobeiras e de Salinas para pressioná-las a assinar autorizações para pesquisas em suas terras. “Eles dizem que se as pessoas não assinarem, tudo vai ser ser feito de qualquer jeito e eles vão perder seus direitos. Só uma família foi visitada nove vezes”, afirmou. Segundo relatado, as sondagens nas terras dos pequenos proprietários são muitas vezes feitas sem autorização ou clandestinamente, sem qualquer pagamento. Já nas sondagens feitas em terrenos de reflorestadoras, paga-se R$ 150 por eucalipto derrubado. Um dos marcos de sondagens não autorizadas foi levado em passeata pelos agricultores à audiência pública realizada nesta sexta.
Moradores se queixam de veneno das reflorestadoras
Os trabalhadores rurais se queixam que as mineradoras estão repetindo esquemas de apropriação de terras adotados pelas empresas de plantio de eucalipto a partir da década de 70, no Norte de Minas. As acusações contra as reflorestadoras foram reafirmadas durante a audiência pública. O representante da Comunidade do Distrito de Vale das Cancelas (pertencente ao município de Grão Mogol), Adair Pereira de Almeida, disse que a empresa Rio Rancho Agropecuária conquistou a posse de 6.450 hectares na região, em processo de usocapião, englobando terras ocupadas há décadas por diversas famílias de agricultores.
Adair Almeida apresentou documentos que comprovariam a presença e a posse de terras por diversas famílias, dentro da área apropriada pela Rio Rancho, há décadas. Segundo ele, há muitos anos, as empresas de reflorestamento vêm utilizando aviões para pulverizar veneno para combater uma praga vinda da Austrália. “Há muitas pessoas doentes de câncer na região. Meu pai e minha mãe morreram de câncer”, afirmou. Ele argumentou que a população não ganha nada com o suposto progresso trazido pelas reflorestadoras ou mineradoras. “Elas tomam a terra do agricultor, matam o gado, jogam veneno, e ainda botam ele de escravo, pagando uma miséria. Estamos cansados de se sermos incomodados por essas empresas”, afirmou Almeida.
Participantes da audiência pública também se queixaram de parcialidade da Polícia Ambiental, que estaria desconsiderando denúncias contra empresas reflorestadoras e mineradoras. Um dos denunciantes teria recebido uma multa por exploração ilegal de carvão após denunciar uma empresa por abate de pequizeiros. Eles também afirmaram que os carros da Polícia Ambiental são abastecidos frequentemente pela empresa Rio Rancho. Alguns agricultores disseram que sofreram ameaças. O tenente PM Idalécio José Leite disse que apenas uma queixa de ameaça foi registrada na região. Ele disse que a Polícia Militar está pronta a atender a população e recomendou que os moradores busquem provas que fundamentem suas denúncias.
O diretor de Promoção e Defesa da Cidadania no Campo, Aldenir Viana, que representou a Secretaria de Estado Extraordinária de Regularização Fundiária, admitiu que existem casos de pessoas enganadas, levadas a vender suas terras a troco de nada. “Teve gente que foi morto ao tentar levar o caso para o Ministério Público”, afirmou Viana. No caso do processo de usocapião da Rio Rancho, ele afirmou que o Estado não foi omisso, mas argumentou em juízo de que se tratavam de terras devolutas. Só que perdeu a ação. Ele recomendou que ninguém assinasse documentos sem saber com certeza o que eles dispõem. Terras devolutas são terras não registradas regularmente, por isso mesmo públicas, muitas vezes ocupadas há tempos por posseiros.
O deputado Rogério Correia afirmou que a Comissão de Direitos Humanos aprovaria, na próxima semana, requerimentos para que as denúncias sejam investigadas pelo Ministério Público.
Moradores da região fizeram passeata nesta sexta (29) |