Falta de pessoal e de infraestrutura leva policiais civis a engavetarem registros de crimes sem investigá-los
Milhares de ocorrências policiais transcritas nos chamados Reds – Registro de Eventos de Defesa Social – estão acumuladas em delegacias mineiras por falta de pessoal e de infraestrutura da Polícia Civil. Todas já deveriam ter sido analisadas por um delegado, que decidiria pela instauração ou não de um inquérito para investigar o crime e remetê-lo à Justiça. Sem servidores para apurar os casos, os boletins “negligenciados” mofam nas delegacias. Alguns, há mais de cinco anos.
Uma das situações mais críticas é a da 21ª Delegacia de Polícia Distrital, no Centro de Belo Horizonte. Lá, 49 mil ocorrências estão paradas. Com a morte do delegado Robson de Souza Paes, em 7 de julho, a 21ª DP ficou 53 dias sem titular. O cargo foi assumido recentemente por Gislaine de Oliveira Rios. Mas a delegada conta com um inspetor, nove agentes, três escrivães e só um atendente para registrar uma média diária de 120 ocorrências.
A sobrecarga de trabalho se repete na Seccional Leste, que responde por oito delegacias distritais, e onde o número de ocorrências “esquecidas” já ultrapassa 14 mil. Também seria comum em outras delegacias de BH e do interior.
As deficiências são confirmadas pelo diretor do Sindicato dos Delegados de Polícia da Minas Gerais (Sindepo-MG), Marco Antônio Paula de Assis, que trabalhou na 21ª DP de 2003 a 2010.
Assis explica que quando uma pessoa é vítima de crime – como furto, assalto, tentativa de homicídio – ela tem dois caminhos. O mais comum é acionar a Polícia Militar, que registra o fato em um Boletim de Ocorrência (B.O.), que é transcrito na delegacia da área sob a forma de “Reds”. O outro é ir diretamente à delegacia.
Nas duas situações, geralmente após esperar um longo tempo para ter a ocorrência em mãos, a pessoa recebe a cópia com a promessa de que o episódio será investigado.
Por lei, o delegado tem que avaliar o caso para decidir se vai instaurar ou não o inquérito. Se for, precisa baixar uma portaria. Mas, na prática, isso não estaria acontecendo e muitas ocorrências acabariam “na geladeira”.
9 mil policiais civis em Minas Gerais
Em Minas, há cerca de 50 mil policiais militares redigindo ocorrências. Aquelas enquadradas na Lei 9.099, referentes a crimes de menor potencial ofensivo e que geram apenas o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), também engrossam esses números. Mas o contingente de policiais civis para atender a essa demanda gira em torno de 9 mil.
Cientes de que há investigadores de menos para ocorrências demais, muitas vítimas de crimes nem se dão ao trabalho de acionar a polícia ou ir a uma delegacia para pedir providências. Quem vai muitas vezes volta para casa com a sensação de ter sido “iludido” com a promessa de que o caso será investigado.
“Estamos apurando” é a justificativa que os agentes dão ao serem questionados sobre o andamento da ocorrência. A “desculpa” os livra de serem autuados por prevaricação – quando o funcionário público retarda ou deixar de praticar devidamente um ato de ofício.
Um delegado que preferiu ficar no anonimato confessa que, por vergonha de mentir para as pessoas, pediu para trabalhar no plantão policial, que só distribui as ocorrências. Como os registros não geram inquéritos, não aparecem nas estatísticas, o que faz os índices oficiais de violência despencarem.
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