Opúsculo sobre a condição humana
Tenho completos 52 anos. Creio já ter visto tudo. Nada que é humano me surpreende, como já não surpreendia outros há centenas de anos. A história da civilização é pendular: parte de uma ruptura no tecido social, com os insurgentes devastando a ordem estabelecida, levando ao fio da espada aqueles detentores do poder, vingando-se de antiga submissão, sem contemplação , dó ou piedade, até que, chegando ao ponto de exaustão, a mesma espada volve-se contra os revoltosos, e com mesma intensidade, aplica-lhes os castigos e punições que prescreviam, levando-os ao cadafalso.
Danton e Robespierre não me deixam mentir. No regime militar, com o qual convivi na minha mocidade, eram comuns estórias de humilhações e execrações públicas, onde qualquer autoridade, desde o praça menos graduado, brandia seu poder em praça pública ou nas ante-salas das delegacias, vergando aqueles que ousavam discordar da doutrina e pensamento dominantes. A desgraça do totalitarismo são as palavras de ordem. “Ame-o ou deixe-o”, era o jargão contra quem discordava do regime vigente, tornando malditos os insurgentes ou adversários. Contra esse estado de coisas lutamos, combatemos o bom combate, enchendo praças e ruas de descontentes, insubmissos à ordem estabelecida, onde o apogeu deu-se com a campanha das “ diretas já”, redundando , aos trancos e barrancos, no País e na democracia que temos hoje. Mas a história sempre se repetindo.
Restabelecida a democracia, ao reboque trouxe os excessos de sempre. Num País desigual socialmente, aparecem sempre os oportunistas, os justiceiros, os distribuidores do suor alheio à guisa de justiça social, condenado a prosperidade dos que trabalham, obrigando-os a repartir os frutos de seu labor com as lesmas e parasitas que quase nunca se elevam com o nascer do sol, porque acordam tarde, mas que se quedam inertes ao crepúsculo , cheio do banzo, da tristeza de um dia vão, sem nada para contar de feito do dia que se vai. Os distribuidores do patrimônio alheio enchem o peito e falam de justiça social, mas suas mãos são lisas, pois não enfrentaram o sol e a chuva e nem carregaram pesos: o seu ofício prescinde de suor e se sustenta na arte dos sofismas, no engodo das palavras . Estes reformadores do mundo abundam neste momento histórico. O Brasil hoje se divide entre os que trabalham e trazem a prosperidade e os sanguessugas, estes comandados por capatazes ideológicos, montados em suas animálias pré-históricas , que bradam por justiça social, como se não soubéssemos de seus verdadeiros objetivos. Meu pai começou a trabalhar em olaria aos oito anos de idade, puxando o animal que carregava o barro. Criou 13 filhos, dentre os quais dois juízes, duas médicas , advogados, funcionário do Banco do Brasil e professores com pós -graduação e mestrados. Sempre madrugou, e nos deixou este hábito.
Principalmente, nos legou o apreço à prosperidade, mas sem perder o enfoque na dor do semelhante, sendo este o limite de nossas ações, nunca ultrapassando as defensas da ética e da moral. Assim vejo o mundo. Assim tenho procurado agir. Sei das fraquezas humanas, e tenho, antes de mais nada, um dó enorme dos homens , de sua fragilidade. Sendo efêmera sua individualidade , dói-lhe a certeza da morte, insciente que é parte do todo, do grande organismo universal, de quem é um átomo perene, seja homem ou flor que brota no mais humilde túmulo. Amo este País, este mundo. Sofro porque vejo injustiças, mas não perco a esperança , não posso e nunca devo perder a minha crença nos homens, na nossa natureza divina. Esses lapsos históricos, sei, são apenas pequenas pedras para nos lembrar da caminhada até à perfeição. O Brasil está se acertando, apesar desses excessos. Contidos os exageros, especialmente os institucionais, os brasileiros vão conduzir a humanidade à paz e a felicidade.
Em tempo: dedico esta modesta mensagem a Ivonei Abade Brito, um dos raros políticos íntegros deste País, a despeito das adversidades do momento . A minha certeza de sua honestidade está acima das vicissitudes presentes, pois não sou homem sujeito à hipocrisia, e sei que no mundo abundam os discípulos de Torquemada, os que sorriem enquanto a honra alheia é posta em chamas, para gáudio da massa ignara e gozo da canalha adversa. Feliz aniversário, Ivonei. Deus é o maior dos juízes.
Isaias Caldeira
Isaias Caldeira Veloso é Juiz da Primeira Vara de Execuções Criminais de Montes Claros e responsável pelo Tribunal do Júri.